Ao final desta aula o aluno deverá:
Entender os pressupostos
histórico-políticos, sociais e econômicos e culturais – que fundamentam o
surgimento da Sociologia. Demonstrar como o pensamento social foi se
estruturando e sendo estruturado historicamente até o início do século XIX,
quando as circunstâncias históricas criaram as condições para que a Sociologia
surgisse como uma nova forma de ver, pensar e agir, isto é, como uma nova
configuração do saber sobre a sociedade humana.
Conhecer os principais pensadores que
fundamentaram a emergência da Sociologia
Como surgiu a Sociologia
A Revolução Francesa (França, 1789) e a Revolução
Industrial (Inglaterra, 1780 a 1860) são conhecidas como o cenário para o
surgimento da Sociologia. A Europa estava sofrendo grandes mudanças,
transformando a vida social da população, dando ênfase no processo de
industrialização e urbanização da sociedade Capitalista que ali se implantava.
Foram desfeitos alguns costumes e tradições, como a família patriarcal, a
servidão e o trabalho manufatureiro, dando início à indústria capitalista.
A importância da Revolução Industrial no surgimento da Sociologia
Com a Revolução Industrial, as localidades devido a
um crescimento demográfico significativo, acabavam por não disponibilizar para
seus habitantes uma boa infraestrutura. Ao que tange moradias e serviço de
saúde, as civilizações deixavam a desejar para aqueles que saiam do campo e
vinham tentar a vida na cidade. Um importante crescimento que houve na época,
sob um ponto de vista, foi na área de técnicas produtivas e na introdução
da máquina a vapor, que proporcionava mais comodidade para os
trabalhadores do ramo. Por outro lado, a substituição da energia humana
pela energia motriz, das ferramentas pelas máquinas, bem como a produção
doméstica pelo sistema fabril, trouxe alguns prejuízos para as famílias que
começaram a se encontrar desempregadas. As consequências da rápida
industrialização não foram as melhores possíveis, já que aumentos na
criminalidade, alcoolismo, violência, prostituição e surtos de epidemias de
tifo e cólera foram rapidamente constatados. Estas interferências
terminaram por exterminar uma fatia considerável da população.
Já na Revolução Francesa, o objetivo
era fazer triunfar os ideais seculares como liberdade e igualdade sobre
a ordem social tradicional, fazendo com que essas ideias se espalhassem pelo
mundo. A antiga forma de sociedade (Ancien Regime) foi abolida, promovendo
muitas transformações na política, na vida cultural e
na economia do país, não havendo mais as instituições aristocráticas e tradicionais,
possibilitando igualdade entre todos os cidadãos perante
a lei. Muitas das explicações baseadas na religião passaram a
receber criticas e serem suplantadas por pensamentos racionais e lógicos,
radicalmente mudando do modelo teocêntrico (Deus) para o
antropocêntrico (Homem).
O surgimento dos primeiros sociólogos
Os primeiros sociólogos procuravam
entender o estado de organização da sociedade em formação, sendo o século XVIII
muito importante para o surgimento dessa ciência profunda e complexa, a qual é
estudada e analisada até os dias de hoje. Todas as transformações que ocorreram
na época trouxeram consigo problemas para a vida em comunidade, daí surge a
Sociologia e seus pesquisadores para esclarecerem e organizarem as mudanças
ocorridas no meio social, juntamente com os processos que interligam os
indivíduos em grupos, associações e insituições. O termo Sociologia foi
criado por Auguste Comte, em 1838, que pretendia
unificar a Psicologia, a Economia e a História, levando em consideração que
todos esses assuntos giram em torno do homem e seu comportamento. Mas os
fundamentos sociológicos só foram institucionalizados com Karl Marx, Émile
Durkheim e Max Weber, pensadores renomados que se tornam
base para nosso estudo.
Assistam aos vídeos:
Esta videoaula
apresenta os conceitos básicos estudados pela sociologia e mostram quais são os
principais objetos de análise, apresentando exemplos de como o estudo de
disciplina compreende a vida em sociedade e os diversos fenômenos sociais.
Questões para análise:
- O que é sociologia?
- Como surgiu a Sociologia? O que provocou o seu
surgimento?
- Qual a importância de Augusto Conte para a
Sociologia?
- O que é pensar sociologicamente? Qual a sua
importância?
- A que interesse a Sociologia atendeu,
inicialmente, no Brasil?
Anotem as reflexões em seu caderno na matéria de
Sociologia.
TEXTO PARA LEITURA:
Reforma protestante
Reforma protestante O século XVI conheceu
outro movimento chamado Reforma Protestante. Ao entrar em conflito com a
autoridade papal e a estrutura da Igreja, este movimento criou uma tendência
que valorizava o indivíduo ao permitir a livre leitura das Escrituras Sagradas
que se confrontava com o monopólio do clero na interpretação baseada na fé e
nos dogmas. Várias partes do mundo ocidental passaram não apenas a interpretar
as Escrituras Sagradas como também a estabelecer uma relação particular com
Deus, sem a intermediação dos ministros da Igreja. A Reforma pôde assim se
vincular a uma tradição de resistência à autoridade e à tradição que preparou a
Ilustração (o Iluminismo). As figuras centrais dessa reação foram Martinho
Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564). Assim, havendo uma nova maneira
de se relacionar com as coisas sagradas, houve também um movimento no sentido
de se analisar o universo de outra forma. A razão passou a ser soberana e
passou a ser o elemento essencial para se conhecer o mundo; isto é, os homens
deveriam ser livres para julgar, avaliar, pensar e emitir opiniões sem se
submeterem a nenhuma autoridade transcendental ou divina, que tinha na Igreja
Romana a sua maior defensora e guardiã (ao menos no Ocidente).
Do século XV ao século XVII, o
conhecimento racional do universo e da vida em sociedade começou a ser uma
regra seguida por alguns pensadores. Foi uma mudança lenta, sempre provocando
embates contra o dogmatismo e a autoridade da Igreja, a exemplo do Concílio de
Trento (1545-1563) e dos processos da Inquisição. Estes procuraram impedir toda
e qualquer manifestação que pudesse pôr em dúvida a autoridade eclesiástica,
tanto no campo da fé quanto no campo do conhecimento secular que propunha novas
explicações para a sociedade e a natureza.
Essa nova forma de conhecer e
explicar a natureza e a sociedade, em que a experimentação e a observação se
tornaram fundamentais, apareceu nesse momento representada pelo pensamento e pelas
obras de diversos autores, entre os quais podemos citar Nicolau Maquiavel
(1469-1527); Erasmo de Rotterdam (1466-1536); Nicolau Copérnico (1473-1543);
Galileu Galilei (1564-1642); Thomas Hobbes (1588-1679); Francis Bacon
(1561-1626); René Descartes (1596-1650) e Baruch Spinoza (1632-1677). Além
desses pensadores existiram outros que fizeram a ponte entre esses novos
conhecimentos e os que se desenvolveram no século seguinte: John Locke
(1632-1704); Leibniz (1646-1716) e Isaac Newton (1642-1727), que propuseram
novos princípios para a compreensão da sociedade e da natureza. Nesses dois
séculos, XVI e XVII, encontramos na arte e na literatura as obras de alguns dos
maiores artistas ocidentais que ainda hoje são importantes para entendermos
alguns elementos da sociedade de então. Entre outros, podemos citar:
• Leonardo di ser Piero da Vinci
(1452-1519) – pintor/escultor/cientista;
• Michelangelo di Ludovico
Buonarroti Simoni (1475-1564) – escultor/pintor;
• Rafael Sanzio (1483-1520) –
pintor;
• Pieter Brueghel
(1525/1530-1569) – pintor;
• El Greco – Doménikos
Theotokópoulos – (1541-1614) – pintor;
• Rembrandt Harmenszoon van Rijn
(1606-1669) – pintor;
• Luís Vaz de Camões (1524-1580)
– escritor/poeta;
• Michel Eyquem de Montaigne
(1533-1592) – filósofo/escritor;
• Miguel de Cervantes Saavedra
(1547-1616) – poeta/escritor;
• William Shakespeare (1564-1616)
– dramaturgo/poeta;
• Jean-Baptiste Poquelin, mais
conhecido como Molière (1622-1673) – dramaturgo.
As transformações no século
XVIII
No final do século XVII, na
maioria dos países europeus, a burguesia comercial, formada basicamente por
comerciantes e banqueiros, tornou-se uma classe com muito poder, devido, na
maior parte das vezes, aos vínculos econômicos mantidos com as monarquias. Essa
classe, além de sustentar ativo o comércio entre os países europeus, estendia
os seus tentáculos a todos os pontos do mundo, até não mais poder, comprando e
vendendo mercadorias, tornando o mundo cada dia mais europeizado, impondo seu
modo de vida, sua religião, seus costumes e crenças. Em bem pouco tempo o mundo
não seria mais o mesmo que tinha sido até então. O capital mercantil se
estendeu também a outro ramo de atividade que gradativamente se organizava: a
produção manufatureira. A compra de matérias-primas e a organização da
produção, fossem através do trabalho domiciliar ou do trabalho em oficinas,
levavam ao desenvolvimento de um novo processo produtivo em contraposição ao
das corporações de ofício. Ao se desenvolver a manufatura, os organizadores da
produção passaram a se interessar cada vez mais pelo aperfeiçoamento das
técnicas de produção, visando produzir mais com menos gente, aumentando
significativamente os seus lucros. Para tanto, procuravam investir nos
“inventos”, isto é, buscavam financiar a criação de máquinas que pudessem ter
aplicação no processo produtivo. Assim, o conhecimento científico,
gradativamente, passou a ter reconhecimento e tornou possível desenvolver novas
tecnologias para potencializar a produção. Desse modo, criou-se a máquina de
tecer, a máquina de descaroçar algodão, bem como teve inicio a aplicação
industrial da máquina a vapor e de outros tantos inventos destinados a aumentar
a produtividade do trabalho. Desenvolveu-se então o fenômeno que veio a ser
chamado de maquinofatura. O trabalho que os homens realizavam com as mãos ou
com ferramentas passava, a partir de então, a ser feito por meio de máquinas,
elevando muito o volume da produção de mercadorias.
A presença da máquina a vapor,
que podia mover outras tantas máquinas, incentivava o surgimento da indústria
construtora de máquinas e, consequentemente, incentivava toda a indústria
voltada para a produção de ferro e, posteriormente, de aço. É importante
lembrar que, já no final do século XVIII, produziu-se o ferro e o aço, com a
utilização do carvão mineral. Nesse mesmo contexto de profundas alterações no
processo produtivo encontrava-se também a utilização cada vez mais crescente do
trabalho mecânico convivendo com o trabalho artesanal. A maquinofatura se
completava com o trabalho assalariado, aí se incluindo a utilização, numa
escala crescente, da mão de obra feminina e da infantil. Ao mesmo tempo, longe
da Europa, mas ainda vinculada a ela, havia a exploração do ouro no Brasil, da
prata no México e do algodão nos Estados Unidos da América e na Índia, onde, na
maioria dos casos, essas atividades se desenvolveram com a utilização do
trabalho escravo ou servil. Esses elementos, conjugados, asseguravam as bases
do processo de acumulação necessária para a expansão da indústria na Europa.
Todas essas mudanças, somadas à herança cultural e intelectual do século XVII,
definiram o século XVIII como um século explosivo. Se no século anterior a
Revolução Inglesa determinou novas formas de organização política, foi no
século XVIII que tanto a Revolução Americana quanto a Francesa alteraram todo o
quadro político ocidental, servindo de exemplo e parâmetro para revoluções
políticas posteriores. As transformações na esfera da produção, a emergência de
novas formas de organização política e a exigência da representação popular
irão dar características muito específicas a esse século, em que pensadores
como Charles de Montesquieu (1689-1755); Voltaire (1694-1778); Denis Diderot
(1713-1784) Jean le Rond d’Alembert (1717-1783); David Hume (1711-1776);
Jean-Jaques Rousseau (1712-1778); Adam Smith (1723-1790) e Immanuel Kant
(1724-1804), entre outros, buscaram, por caminhos às vezes divergentes,
refletir e explicar a realidade de então. Nas diferentes expressões artísticas
(música, pintura, poesia, literatura), vários nomes expressaram elementos
daquela realidade que nos servem de base para entender aquele período. Entre
outros, podemos lembrar:
• Antonio Lucio Vivaldi
(1678-1741) – compositor;
• Johann Sebastian Bach
(1685-1750) – compositor;
• Johann Chrysostom Wolfgang Amadeus Mozart
(1756-1791) – compositor;
• Francisco José de Goya y
Lucientes (1746-1828) – pintor;
• Friedrich von Schiller (1759-1805) –
filósofo/escritor;
• Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) –
poeta/escritor;
• Franz Joseph Haydn (1732-1809) – compositor;
• Ludwig van Beethoven (1770-1827) –
compositor;
• George Gordon Byron, mais
conhecido como Lord Byron (1788-1824) – poeta;
• Henri-Marie Beyle, mais
conhecido como Stendhal (1783-1842) – poeta.
A
consolidação da sociedade capitalista e o surgimento de uma “ciência da
sociedade” no século XIX
O século XIX é um século de
profundas transformações, que passam desde a emergência de novas fontes
energéticas (eletricidade e petróleo) como por novas atividades industriais e
uma profunda alteração nos processos produtivos, com a introdução de novas
máquinas e equipamentos. No início desse século, depois de trezentos anos de
exploração colonialista, teve início, principalmente nas nações
latino-americanas, um processo intenso de lutas pela independência. No
continente europeu, resquícios da atividade monárquica, não republicana,
perpetuavam a existência de Estados não unificados (com uma única autoridade e
a separação das questões públicas das privadas), como na Alemanha e na Itália.
É no século XIX, quando está ocorrendo o processo de consolidação do sistema
capitalista na Europa, que encontramos as heranças intelectuais que irão
colaborar para o surgimento da Sociologia como ciência. No início desse século,
o pensamento de Saint-Simon (1760-1825); de G. W. E. Hegel (1770-1830); de
David Ricardo (1772-1823) e de Charles Darwin (1809-1882), entre outros, será o
elo para que Aléxis de Tocqueville (1805-1859); Auguste Comte (1798-1857), Karl
Marx (1818-1883) e Herbert Spencer (1820- 1903) desenvolvam suas reflexões
sobre a sociedade e o tempo em que estão vivendo. Também nas artes, na
literatura, expressões significativas, necessárias e fundamentais nos auxiliam
no entendimento da sociedade desse século de revoluções (científicas, sociais,
políticas e econômicas). Entre outros nomes, podemos lembrar:
• O pintor Ferdinand Victor
Eugène Delacroix (1798-1863) e o poeta Christian Johann Heinrich Heine
(1797-1856);
• Os escritores Honoré de Balzac
(1799-1850), Victor-Marie Hugo (1802-1885) e Charles John Huffam Dickens
(1812-1870);
• O compositor e pianista
Frédéric Chopin (1810-1849), os compositores Georges Alexandre César Léopold
Bizet (1838-1875), Robert Alexander Schumann (1810-1856) e Jakob Ludwig Felix
Mendelssohn Bartholdy (1809-1847);
• Os escritores Alexandre Dumas
(Dumas Davy de la Pailleterie) (1802-1870); Nikolai Vasilievich Gogol
(1809-1852); Gustave Flaubert (1821-1880); Charles Lutwidge Dodgson; ou Lewis
Carrol (1832-1898) e Emile Zola (1840-1902).
São múltiplas as alternativas
para se analisar as obras e os autores que influenciaram o surgimento da
Sociologia, e conforme Raymond Aron, em seu livro As etapas do pensamento
sociológico, deveríamos começar por Montesquieu, passando por Comte, Marx e
Tocqueville para, depois, analisar Durkheim, Weber e Pareto. Outros autores,
como Michel Llalement e Nicholas Timasheff, incluem Herbert Spencer entre os
precursores da Sociologia. Mas, para o cumprimento dos objetivos aqui
propostos, escolhemos analisar apenas duas grandes tradições de pensamento: a
positivista e a socialista.
A justificativa é entendermos
serem essas as duas grandes correntes de pensamento que mais influenciaram o
desenvolvimento da Sociologia no Brasil. Assim, para começar esta “viagem”,
entendemos ser importante “visitar” o autor que influenciou as duas vertentes
escolhidas: seu nome, Saint Simon. Saint-Simon (1760-1825) e a nova ciência “da
sociedade” Claude-Henri de Rouvroy – Conde de Saint-Simon – era descendente de
uma família aristocrática muito antiga na França, e por isso teve uma excelente
educação para sua época, inclusive tendo como professor o então célebre
d´Alembert, um dos autores da Enciclopédia (obra de capital importância do
Iluminismo). Por ser aristocrata, teve que ir para o exército, chegando a se
tornar coronel. Esta situação, além de levá-lo a participar da luta pela
libertação dos Estados Unidos da América, permitiu que viajasse para a Espanha,
para a Holanda, sempre como um profundo observador do que estava acontecendo na
Europa. A Revolução Francesa modificou a sua condição. Mesmo como aristocrata,
estava convencido que o antigo regime estava corrompido e corrompia, e não
podia durar muito mais, mas não aceitava a violência e a destruição do
movimento revolucionário de então. Entretanto, os novos ventos da Revolução o
atingiram, e Saint-Simon renunciou ao título de Conde, passando a se chamar
Claude Henri Bonhomme, um nome plebeu. A partir de então se envolveu em
negócios comprometedores, sendo inclusive preso por isso. Mais tarde foi solto
e iniciou uma nova fase da vida ao viajar novamente para outros lugares da
Europa-Suíça, Inglaterra e Alemanha – mas já com a ideia ampla de formular uma
filosofia da ciência capaz de unificar todos os fenômenos naturais e sociais.
Além disso, Saint-Simon tinha um objetivo que
nunca deixou de lado: reorganizar as sociedades europeias tendo, por
fundamento, a ciência e a indústria. As suas ideias influenciaram as ideias
tanto de Auguste Comte, e depois de E. Durkheim, quanto de Karl Marx. Mas que ideias
eram essas que puderam influenciar dois autores tão antagônicos em suas formas
de ver e analisar o mundo em que viviam? Concepção de história: Saint-Simon
entendia que a história marcha através de uma série de afirmações e negações
que darão lugar a momentos mais altos. Defendia uma regra geral: o apogeu de um
sistema coincide com o início de sua decadência. Para ele, existiam três
grandes momentos na história ocidental. A primeira época orgânica seria a da
Antiguidade greco-romana, e a primeira época crítica seria a das invasões
bárbaras. A segunda orgânica seria a da Idade Média, e a sua crítica se estende
do Renascimento até a Revolução Francesa. A terceira época orgânica seria a que
ele vislumbrava: a do industrialismo. As classes sociais: para Saint-Simon, em
todas as épocas sempre houve uma estrutura de classes dividida entre dominantes
e dominados, e a história da humanidade se explicaria pelas contradições entre
elas. Mas Saint-Simon não pensava na superação dessas classes por uma outra
sociedade, pois imaginava a possibilidade de uma harmonização entre as mesmas,
com uma justiça policlassista. No tempo em que viveu, e na sociedade francesa
em particular, ele afirmava existirem duas grandes classes: a dos ociosos (a
realeza, a aristocracia e o clero, os militares e a burocracia que administrava
a estrutura destes, que nada produziam) e a dos produtores ou industriais
(cientistas, engenheiros, médicos, banqueiros, comerciantes, industriais,
artesãos, lavradores trabalhadores braçais, enfim, todos os cidadãos úteis para
o desenvolvimento da França). Novos dirigentes: para que a sociedade
pós-revolucionária na França se firmasse, Saint-Simon acreditava ser necessário
que a ciência tomasse o lugar da autoridade religiosa da Igreja, formando assim
uma nova elite, agora científica.
A ciência deveria substituir a
religião como força de coesão. Os cientistas substituiriam os clérigos e os
industriais os senhores feudais, e a aliança dos cientistas com os industriais
conformaria a nova classe dirigente. Os que estariam na direção deveriam ser os
mais capazes em cada campo, por conhecerem e saberem mais sobre a sociedade:
seriam os cientistas que a estudam e os industriais que, pela prática, sabem o
que funciona melhor. Desde 1803 Saint-Simon escreveu uma série de livros que
demonstram uma confiança no futuro da ciência e que buscam uma lei única que
permitisse guiar a investigação dos fenômenos sociais, como a lei da gravitação
universal de Newton. A principal tarefa desta nova ciência seria a de descobrir
as leis do desenvolvimento social, pois elas indicariam o caminho que se
deveria tomar para que a sociedade pudesse seguir no progresso continuado. Para
ele, a filosofia do século XVIII tinha sido revolucionária, e a do século XIX
teria que ser organizacional. No final da vida procurou desenvolver uma espécie
de religião, um novo cristianismo mais dinâmico, que teria por objetivo
fundamental a elevação física e moral da classe mais numerosa e pobre da
sociedade. As obras mais importantes de Saint-Simon do ponto de vista
sociológico são as seguintes:
• Reorganização da sociedade
europeia – com Agustín Thierry (1814);
• A indústria ou discussões
políticas, morais e filosóficas no interesse de todos os homens livres e
trabalhadores úteis e independentes (1816-1817);
• O organizador (1819); • O
sistema industrial (1821-1823);
• O catecismo dos industriais
(1822-1824);
• O novo cristianismo (1824).
Saint-Simon influenciou
fortemente Auguste Comte (que foi seu secretário entre 1819 e 1824) e depois
Émile Durkheim, se tomarmos algumas das suas obras que tratam de uma nova
sociedade organizada e da formulação de uma ciência de uma sociedade
específica. Mas ele influenciou igualmente Karl Marx, se pensarmos que
Saint-Simon foi considerado um reformador social e um socialista utópico.
Auguste Comte (1798-1857) e a tradição positivista Auguste Comte nasceu em
Montpellier, na França, no dia 19 de janeiro de 1798, filho de um fiscal de
impostos. Suas relações com a família foram sempre tempestuosas, e lhe deixaram
marcas profundas que contêm elementos explicativos do desenvolvimento de sua
vida e talvez até mesmo de certas orientações dadas às suas obras, sobretudo em
seus últimos anos. Com a idade de dezesseis anos, em 1814, Comte ingressou na
Escola Politécnica de Paris, fato que teria significativa influência na
orientação posterior de seu pensamento. Para ele, a Politécnica foi a primeira
comunidade verdadeiramente científica que deveria servir como modelo de toda
educação superior. Embora permanecesse por apenas dois anos nessa escola, Comte
ali recebeu a influência do trabalho intelectual de cientistas como o físico
Carnot (1796-1832); o matemático Lagrange (1736-1813) e o astrônomo Laplace
(1749-1827). Em 1816, a onda reacionária que se apoderou de toda a Europa,
depois da derrota de Napoleão e da Santa Aliança, repercutiu na Escola
Politécnica, que foi fechada temporariamente, acusada de jacobinismo. Comte
deixou a Politécnica e resolveu continuar em Paris. Nesse período sofreu
influência dos chamados “ideólogos”, como Destutt de Tracy (1754-1836) e
Cabanis (1757-1808) e Volney (1757-1820). Foi quando desenvolveu seus estudos
sobre economia política lendo Adam Smith (1723-1790) e Jean-Baptiste Say
(1767-1832), e filósofos e historiadores como David Hume (1711-1776) e William
Robertson (1721-1793). O fator mais decisivo para sua formação foi, porém, o
estudo do Esboço de um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano, de
Condorcet (1743-1794). A importância reside no fato de Condorcet traçar um
quadro do desenvolvimento da humanidade, no qual os descobrimentos e invenções
da ciência e da tecnologia desempenhavam papel preponderante, pois faziam o
homem caminhar para uma era em que a organização social e política seria
produto das luzes da razão. Essa ideia tornar-se-ia um dos pontos fundamentais
da filosofia de Comte. Ao deixar a Politécnica ele se tornou secretário de
SaintSimon. Sobre esta convivência ele afirmou que tinha aprendido uma multidão
de coisas que em vão se procuraria nos livros. Afirma ainda que no pouco tempo
que esteve junto de Saint-Simon fez maiores progressos do que faria em muitos
anos se estivesse sozinho. Ao voltar da Politécnica, Comte publicou o Discurso
sobre o espírito positivo. Depois, ele foi excluído definitivamente da Escola Politécnica
em razão de suas críticas aos matemáticos, feitas no prefácio do último volume
do Curso de filosofia positiva, editado em 1842, onde afirmava ter chegado o
tempo de os biólogos e os sociólogos ocuparem o primeiro posto no mundo
intelectual. Desde cedo Auguste Comte procurou fazer uma reflexão sobre a
sociedade de sua época. Toda a sua obra está permeada pelos acontecimentos que
ocorreram na França pós-revolucionária; ele defendeu parte do espírito de 1789
e criticou a restauração da monarquia, preocupando-se fundamentalmente em como
organizar a nova sociedade que, no seu entender, estava em ebulição e em total
caos. Para Comte, a desordem e a anarquia imperavam devido à confusão de
princípios (metafísicos e teológicos) que não mais podiam se adequar à
sociedade industrial em expansão. Era, portanto, necessário superar esse estado
de coisas, usando a razão como fundamento da nova sociedade. Assim, Auguste
Comte propõe uma completa reforma da sociedade em que vivia mediante a reforma
intelectual plena do homem. Ao se modificar a forma de pensamento dos homens,
através dos métodos das ciências de seu tempo, que ele chamou de “filosofia
positiva”, consequentemente haveria uma reforma das instituições. Nesse ponto é
que Auguste Comte promove o surgimento da Sociologia, ou “física social”, que,
ao estudar a sociedade por meio da análise de seus processos e estruturas,
proporia uma reforma prática das instituições. O neologismo (socius+logia) de
Comte teve um imenso êxito, pois logo depois começaram a aparecer expressões
como a fitosociología (sociologia das árvores) e vários estudos sobre as
sociedades das formigas e das abelhas, etc. Mas a sociologia de Comte pretendia
entender alguns dos fenômenos que as ciências mais individualistas – como a
economia clássica ou a nascente psicologia – não analisavam muito bem. Comte
atribuía à Sociologia não somente uma função científica, centrada em entender
como atuam os seres humanos, mas também política, de como corrigir os abusos do
liberalismo. A Sociologia, para Comte, era o coroamento da evolução do
conhecimento, usando os mesmos métodos de outras ciências, pois todas elas
buscam conhecer os fenômenos constantes e repetitivos da natureza. A
Sociologia, como as ciências naturais, deveria sempre procurar a reconciliação
entre os aspectos estáticos e os dinâmicos do mundo natural ou, em termos da
sociedade humana, entre a ordem e o progresso. Ele acreditava que isso
superaria tanto a teologia quanto a revolução, ou seja, propunha que o
progresso deveria ser o alvo a se atingir, mas sempre sob o manto da ordem,
para que não ocorressem distúrbios e abalos no processo de mudança. A ciência
deveria ser um instrumento para a análise da sociedade no sentido de torná-la
melhor através do lema: Conhecer para prever, prever para prover; isso queria
dizer que o conhecimento deveria existir para fazer previsões e também para dar
a solução dos possíveis problemas que viessem a existir. O método racional para
poder dominar a natureza podia e devia ser utilizado pela Sociologia. A influência
de Comte no desenvolvimento da Sociologia foi marcante, sobretudo na escola
francesa, através de Émile Durkheim e de todos os seus contemporâneos e
seguidores. Seu pensamento esteve presente em muitas das tentativas de se criar
determinadas tipologias para explicar a sociedade. Suas principais obras:
• Sistema de política positiva
(1824); • Curso de filosofia positiva (1830-1842);
• Discurso sobre o espírito
positivo (1844); • Catecismo positivista (1852).
Karl Heinrich Marx (1818-1883) e
Friedrich Engels (1820-1895), a tradição socialista Karl Marx nasceu em Trèves,
na antiga Prússia, em 1818, filho de uma família judaica e de uma linhagem de
rabinos. Seu pai, que era advogado, havia rompido esta tradição e, por questões
políticas, abraçou a religião protestante. Após seus estudos em Trèves, Marx
foi para Bonn e depois para Berlim, onde estudou Direito. Pouco a pouco foi se
inclinando para a Filosofia, defendendo em 1841 sua tese de doutorado: A
diferença da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro. Nesse período
universitário teve uma vida em que se misturaram a boemia e a poesia, mas
também o debate político e o intelectual tendo por base o pensamento de Ludwig
Feuerbach (1804-1872 e, principalmente, o de Friedrich Hegel, que conheceu neste
período e do qual não mais irá se separar, mesmo quando faz a crítica do
filósofo alemão. A partir de então sua vida foi cheia de tribulações. Tornou-se
jornalista e escreveu para um jornal (do qual depois se tornou o editor-chefe),
A Gazeta Renana, crítico do poder prussiano. O jornal logo foi fechado e ele se
viu desempregado. Em 1842 conheceu, em Colônia, na Alemanha, um jovem,
Friedrich Engels, filho de um industrial alemão, que se tornará seu parceiro
intelectual e amigo nas horas de infortúnio durante toda sua vida. Foi através
de seu livro: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra que Marx passou a
conhecer a situação econômica e social da Inglaterra. Este livro nasceu da
impressão causada pela miséria em que viviam os trabalhadores das fábricas na
Inglaterra, inclusive as da sua família. Marx, ao sair da Alemanha, passou a
viajar pela Europa. Na França ficou de 1843 a 1845, quando escreveu os famosos
Manuscritos econômicos e filosóficos (só publicados em 1932). Entre 1845 e 1847
exilou-se em Bruxelas-Bélgica, onde escreveu em conjunto com Engels o livro A
ideologia alemã e, mais tarde, o livro Miséria da Filosofia, criticando o
filósofo P.J. Proudhon. No bojo dos movimentos revolucionários de 1847 e 1848,
em toda a Europa, Marx foi expulso da Bélgica, voltou à França, mas não podendo
por lá ficar retornou à Alemanha, sempre pensando nas possibilidades de uma
mudança estrutural em sua terra natal. Entretanto, isso não aconteceu, e ele
emigrou para a Inglaterra, fixando-se em Londres, onde irá ficar até o final de
sua vida. Na Inglaterra, como exilado, desenvolveu suas pesquisas e seu maior
trabalho: O Capital – Crítica da Economia Política. Há quem diga que sem
Londres não haveria esta obra que revolucionou a maneira de pensar o sistema
capitalista. No Museu Britânico, ficava das 9 às 19 horas, e consumia a maior
parte de seus dias pesquisando para escrever uma obra da qual só o primeiro
volume conseguiu publicar em vida. Os outros dois volumes foram publicados, por
Engels, após a sua morte, tendo por base todo o material (apontamentos,
rascunhos e partes concluídas mas sem revisão). Para entender a importância da
obra de Marx e Engels é necessário conhecer um pouco do que estava acontecendo
em meados do século XIX, principalmente as transformações que estavam ocorrendo
nas esferas da produção industrial. Além de um crescimento expressivo da
produção de mercadorias, houve um crescimento expressivo do número de
trabalhadores industriais urbanos, com as consequências inevitáveis que ainda
hoje se fazem conhecer em muitas partes do mundo: a precariedade das condições
de vida dos trabalhadores nas cidades de então. Estas condições eram péssimas
em todos os sentidos: o trabalho no interior das fábricas, que empregavam
homens, mulheres e crianças superexplorados, alimentação deficiente,
insalubridade nos ambientes internos e externos e péssimas condições de vida
nas casas em que moravam. Esta situação gerou a organização desses
trabalhadores em associações e sindicatos e em movimentos que visavam à
transformação das condições de vida que os mesmos enfrentavam. Essas mudanças
exigiram o desenvolvimento de um pensamento que procurasse entender as
condições sociais, políticas e econômicas que as geravam e indicassem
possibilidades de intervenção nessa realidade. Muitos pensadores discutiram,
desde o início do século XIX, a sociedade que emergia, demonstrando, do ponto
de vista de uma perspectiva socialista, as questões sociais de então.
Na Inglaterra podemos citar,
entre outros, William Godwin (1756-1836), Thomas Spence (1750-1814), Thomas
Paine (1737-1809), Robert Owen (1771-1858), Thomas Hodgkin (1787-1869), na
França, Etienne Cabet (1788-1856), Flora Tristan (1803-1844), Charles Fourier
(1772-1837) e Pierre Joseph Proudhon (1809-1865). Levando em conta esses pensadores,
debatendo com alguns desses seus contemporâneos e mesmo criticando-os, Marx
incorporou a tradição da economia clássica inglesa presente principalmente em
Adam Smith e David Ricardo. Resumindo, pode-se dizer que Marx e Engels
desenvolveram seu trabalho a partir da análise crítica da economia política
inglesa, do socialismo utópico francês e da filosofia alemã.
Assim, a tradição socialista,
nascida da luta dos trabalhadores, muitos anos antes e em situações diferentes,
tem como expressão intelectual o pensamento de Karl Marx e F. Engels. Eles,
entre outros, procuraram estudar criticamente a sociedade capitalista a partir
de seus princípios constitutivos e de seu desenvolvimento, tendo como objetivo
possibilitar à classe trabalhadora uma análise política da sociedade de seu
tempo. Quanto à proposição de uma “ciência da sociedade”, não há em Marx e
Engels nenhuma preocupação em definir uma ciência específica para o estudo da
sociedade, como para Auguste Comte, e nem em situar seus trabalhos em algum campo
científico particular. Em alguns de seus escritos, Marx afirmou que a História
seria a ciência mais ampla, que mais se aproximava de suas preocupações, não no
sentido da História como uma ciência separada das outras ciências humanas, mas
no sentido que entende a História como a única ciência social capaz de abarcar
o conhecimento da sociedade em suas múltiplas dimensões. Esta, para eles,
deveria ser analisada na sua totalidade, não havendo uma separação rígida entre
os aspectos sociais, econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, culturais,
etc. Neste sentido, e para esclarecer porque não assumimos Marx como sendo um
sociólogo, utilizamos a argumentação de Henri Lefebvre, em seu livro Sociologia
de Marx. Marx, um sociólogo? Veremos em Marx um sociólogo? Também não. Essa
interpretação foi bastante difundida na Alemanha e na Áustria. Começava por
eliminar a filosofia atribuída a Marx, sem todavia distinguir o sentido da
filosofia e formular a tese de sua superação (de sua realização) em toda sua
amplitude. Mutilava arbitrariamente, portanto, o pensamento de Marx, suscitando
discussões intermináveis destinadas a cair no bizantinismo e na escolática.
Nessa perspectiva, o marxismo se alinha com o positivismo de Comte. Mutilado, o
pensamento marxista embota-se e perde o gume. O método dialético desaparece em
proveito do “fato” e a contestação crítica debilita-se em proveito da
constatação. No Capital, o uso de uma noção chave – a de totalidade – não
relegava na obscuridade a contradição dialética. Ao contrário. A contradição
assumia uma acuidade que perdera na sistematização hegeliana; entre os homens e
as obras, entre a alteridade e a alienação, entre grupos e classes, entre bases
e estruturas e superestruturas multiplicam-se e acentuam-se as contradições. No
sociologismo, ao contrário, a consideração da sociedade como um todo deprecia a
contradição. A noção de classes e de luta de classes se esfuma. Identifica-se a
sociedade com a nação e o Estado nacional. O sociologismo ligado ao pensamento
marxista penetrava assim facilmente nos quadros ideológicos e políticos tão
criticados por Marx em suas glosas ao programa de Gotha (1875). A sociologia
positivista com pretensões a marxista sempre tendeu para o reformismo. Daí sua
má reputação entre uns, sua atração para outros. Hoje em dia essa sociologia na
linha do positivismo torna-se abertamente conservadora, enquanto originalmente
essa ciência – ligada à ala esquerda do romantismo – não separava conhecimento
e crítica, com Saint-Simon e Fourier. Por múltiplas razões não faremos de Marx
um sociólogo. [...] Se aludimos a uma tal possibilidade, é que temos visto
coisas piores em meio às controvérsias. Marx não é um sociólogo, mas existe uma
sociologia no marxismo. Como compreender essas proposições que parecem pouco compatíveis?
Para tanto, devem-se levar em conta dois grupos de noções e de argumentos:
a) O pensamento marxista mantém a
unidade do real e do conhecimento, da natureza e do homem, das ciências da
matéria e das ciências sociais. Explora uma totalidade no vir a ser e no
presente, totalidade essa que compreende níveis e aspectos ora complementares,
ora distintos, ora contraditórios. Não é em si mesmo nem história, nem
sociologia, nem psicologia etc., mas compreende esses pontos de vista, esses
aspectos, esses níveis. Daí sua originalidade, sua novidade e seu interesse
duradouro. A partir de fins do século XIX surgiu uma tendência a pensar a obra
de Marx, e particularmente o Capital, em função das ciências parciais que desde
então se especializaram e às quais Marx recusara a compartimentação. Reduz-se o
conjunto teórico do Capital a um tratado de História ou de economia política ou
de sociologia ou mesmo de filosofia. O pensamento marxista não pode entrar
nestas categorias estreitas: filosofia, economia política, história,
sociologia. Tampouco depende da concepção “interdisciplinar” que tenta
corrigir, arriscando confundir, os inconvenientes do parcelamento do trabalho
nas ciências sociais. A investigação marxista visa a uma totalidade
diferenciada, concentrando a pesquisa e os conceitos teóricos em torno de um
tema: a relação dialética entre o homem social ativo e suas obras (múltiplas,
diversas, contraditórias).
b) A especialização em parcelas
das ciências da realidade humana, desde a época em que Marx expunha o capitalismo
de concorrência, tem sua razão de ser. A totalidade não pode mais ser atingida.
como no tempo de Marx, de maneira unitária, ao mesmo tempo de dentro e de fora
(em relação ao possível), na constatação e na contestação. E contudo não
podemos aceitar a separação das ciências parciais. Ela esquece a totalidade: a
sociedade como um todo e o homem total. Mas a realidade humana se torna
complexa. Essa crescente complexidade faz parte da história em sentido amplo.
[...]. Com um vocabulário em vias de elaboração, a unidade do saber e o caráter
total do real permanecem pressupostos indispensáveis nas ciências sociais. É
possível, pois, examinar as obras de Marx e nela reconhecermos uma sociologia
da família, da cidade e do campo, dos grupos parciais, das classes, das
sociedades em seu conjunto, do conhecimento, do Estado, etc. E isto a um certo
nível da análise e da exposição, logo sem restringir os direitos das demais
ciências: economia política, história, demografia, psicologia. Por outro lado,
é possível continuar a obra de Marx, buscando, a partir do Capital e com o seu
método, a gênese da sociedade “moderna”, de suas fragmentações e contradições.
LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968.p. 14-16.
Para entender o fundamental do pensamento de Marx e de Engels é necessário
fazer a conexão entre os interesses da classe trabalhadora, suas aspirações e
as ideias revolucionárias que estavam presentes na Europa no século XIX. Para
os dois pensadores, o conhecimento científico da realidade só teria sentido se
fosse para transformá-la, pois a “verdade histórica não constitui uma coisa
abstrata definida teoricamente: sua verificação está na prática. Marx escreveu
muito, e em várias ocasiões teve como companheiro F. Engels. Apesar de algumas
diferenças em seus escritos, os elementos essenciais do pensamento desenvolvido
por eles podem ser situados, de modo resumido, nas seguintes questões:
Historicidade das ações humanas – crítica ao idealismo alemão; Divisão social
do trabalho e o surgimento das classes sociais. A luta de classes; O fetichismo
da mercadoria e o processo de alienação; Crítica à economia política e ao
capitalismo; Transformação social e revolução; Utopia – sociedade comunista. A
obra desses dois autores é muito vasta, mas podem ser destacados alguns livros
e escritos:
• F. Engels. A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra (1845);
• K. Marx. Manuscritos
econômico-filosóficos (1844); • Karl Marx e F. Engels. A sagrada família
(1844);
• K. Marx e F. Engels. A
ideologia alemã (1845);
• K. Marx. A miséria da filosofia
(1847);
• K. Marx e F. Engels. O
manifesto comunista (1848);
• K. Marx. O 18 Brumário de
Napoleão Bonaparte (1852);
• K. Marx. Contribuição à crítica
da economia política (1857);
• K. Marx. O capital (1867).
Vale considerar que a obra desses
pensadores não ficou vinculada estritamente aos movimentos sociais dos
trabalhadores. Ela foi sendo introduzida nas universidades em diferentes áreas
do conhecimento. A Filosofia, a Sociologia, a Ciência Política, a Economia, a
História, a Geografia, entre outras, contam com trabalhos acadêmicos de autores
influenciados pelos dois autores alemães. Na Sociologia, afirma Irving M.
Zeitlin em seu livro Ideologia y teoria sociológica, tanto Max Weber quanto
Emile Durkheim fizeram em suas obras um debate com o fantasma de Karl Marx.
Pelas análises da sociedade capitalista de seu tempo, e pela repercussão que a
obra dos dois alemães teve em todo o mundo, principalmente no século XX, seja
nos movimentos sociais como nas universidades, Marx e Engels são considerados
autores clássicos da Sociologia. Mas isso tornou o pensamento deles um pouco
restrito, pois perdeu aquela ligação entre teoria e prática (práxis), ou seja,
entre o pensamento crítico e a prática revolucionária. Em alguns casos a
relação entre teoria e prática revolucionárias esteve muito presente. É o caso
da Rússia, com Vladimir Ilyitch Ulianov, mais conhecido como Lênin (1870-1924)
e Leon D. Bronstein, conhecido como Trotski (1879-1940); da Alemanha, com Rosa
Luxemburgo (1871-1919); e da Itália, com Antonio Gramsci (1891-1937), que
participaram como intelectuais e atores com significativa influência no
movimento operário no século XX. A partir do conjunto da obra de Marx e Engels
muitos autores desenvolveram seus trabalhos em vários campos do conhecimento.
Em termos acadêmicos, no interior das universidades, podem ser destacados
trabalhos como os de Georg Lukacs (1885-1971); Theodor Adorno (1903-1969);
Walter Benjamin (1892- 1940) Henri Lefebvre (1901-1991) Lucien Goldman
(1913-1969); Luis Althusser (1918-1990); Nicos Poulantzas (1936-1979); Edward
P. Thompson (1924-1993) e Eric Hobsbawn (1917-). Até hoje o pensamento de Marx
e Engels continua presente com múltiplas tendências e variações, sempre gerando
grandes controvérsias, mesmo no interior do chamado marxismo, e uma reação e
até incorporação de partes deste pensamento em outras tradições sociológicas. A
Sociologia, como ciência acadêmica, num momento posterior, floresceu da
reflexão de alguns pensadores que procuraram analisar e discutir a sociedade de
seu tempo, levando em conta influências ou se contrapondo aos pensadores de
antes. A partir dos últimos anos do século XIX, como saber universitário, a
Sociologia se desenvolveu especialmente em três países: França, Alemanha e
Estados Unidos da América. Em outros países também aparece o saber sociológico,
mas aqueles países estão sendo privilegiados porque é deles que a Sociologia no
Brasil, a partir de 1930, vai receber sua maior influência.
Curiosidade: a sociologia na
América latina Em 1877 foi criado, na cidade de Caracas, Venezuela, um
Instituto de Ciências Sociais e, anos mais tarde, em 1882, a Universidade de
Bogotá, na Colômbia, abriu o primeiro curso de Sociologia no mundo,
antecipando-se assim em dez anos ao inaugurado em Chicago em 1892. Daí em
diante, esse processo se expandiu: 1898, em Buenos Aires; 1900, em Assunção;
1906, em Caracas, La Plata e Quito; 1907, em Córdoba, Guadalajara e Cidade do
México. Até os anos de 1920, o ensino de Sociologia já estava estabelecido em
quase todos os países da América Latina, em várias universidades. No Brasil,
como veremos na 6ª Aula, o primeiro curso superior de Ciências Sociais somente
surgiu na década de 1930.
Curso de
especialização em ensino de sociologia :
nível médio : módulo 2. -- Cuiabá, MT :
Central de Texto, 2013. Vários autores.
Bibliografia. ISBN 978-85-8060-024-7 1.
Sociologia - Estudo e ensino 2. Sociologia
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