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quarta-feira, 1 de julho de 2020


Diversidade e desigualdade
Com tudo o que discutimos, queremos propor que você apreenda a questão da diversidade sob a perspectiva do estranhamento, pois ele possibilita desconstruir o olhar que vê a diversidade de nosso país como expressão da convivência harmônica entre indivíduos diferentes.

Compreender que a diversidade social é composta de desigualdades historicamente construídas significa considerar que estas são processos sociais passíveis de mudanças. Por mais que as identidades sejam tipificadas e permitam tanto caracterizar os diversos grupos sociais de uma mesma sociedade como diferenciar esta sociedade de qualquer outra, elas se modificam na medida em que as desigualdades sociais se transformam pela ação dos indivíduos portadores dessas identidades (BERGER, P. & LUCKMANN, T., 1973).

Imigração para o Brasil
Reconhecer as possibilidades de mudanças sociais é o que nos permite compreender, por exemplo, as transformações ocorridas em nossa diversidade social diante da presença do “estrangeiro”  desde o aparecimento das primeiras levas imigratórias no final do século XIX. 

Os motivos que impulsionavam, nessa época histórica, os habitantes de um determinado país a buscarem novas oportunidades em lugares distantes de sua pátria, ainda estão, de certo modo, presentes. A mobilidade das populações que saíram da Europa em direção à América tinha nas condições econômicas o seu fator mais importante. Era o sonho de "fazer a América" de conseguir aqui, deste lado do mundo, o que sua pátria não lhes dava. E, além disso, era o momento em que a vinda de imigrantes fazia parte de uma política de incentivo de países que precisavam substituir a mão de obra do escravo negro para prosseguir em suas atividades econômicas.

Imigração e visão de progresso
No Brasil, a vinda do imigrante era subvencionada e o governo pagava as despesas de transporte até a instalação nas colônias oficiais, que tinham como base as pequenas propriedades ou o trabalho assalariado nas fazendas de café. No Rio Grande do Sul, com suas plantações de trigo e a indústria do charque, os defensores da imigração a apresentavam como fator de progresso, na medida em que se tratava de uma mão de obra livre, “regeneradora e civilizadora”, contribuindo para a renovação dos processos e das relações de trabalho (CARDOSO, F. H. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1962, p. 206-268). 

A recusa do escravo alforriado e de seus descendentes livres a um trabalho regular, nos moldes desejados pelos empresários, fez com que um viajante norte-americano, Herbert H. Smith, assim se manifestasse: 


Há uma classe como esta em todos os paizes, extrato inferior da civilização, mais apparente talvez na America do Sul, porque é fácil viver n’estas plagas ubertosas, e porque as raças mestiças, tão comuns aqui, herdaram os hábitos inertes e descuidadosos de seus antepassados índios e áfricos; apenas alguns têm a ambição de erguer-se da vida animal. Augmentaram as listas da população, mas para o estado são verdadeiro zero, não fazendo bem nem mal; quase nada trazem ao mercado e ainda menos levam para casa; vivem ao deus dará, satisfeitos quando têm provisão para um dia e palhoça que os abrigue. Hão de desapparecer em grande parte, à medida que da terra se forem apossando gentes mais industriosas; hão de submergir-se e morrer diante da onda de imigração europeia. Pois que morram! É o único serviço que podem prestar ao paiz, e a lei inexorável do progresso determinou sua extincção. Não lhes contesto sua felicidade presente, e seu viver pittoresco, têm um certo encanto, não há duvida. Também uma arvore morta é pittoresca, mas prefiro a viva.   (CARDOSO, F. H., op. cit., p. 209.)


Imigração e preconceito
Da mesma maneira que o índio, o negro que não se submetia aos interesses econômicos dos brancos era visto como inferior, preguiçoso, acomodado e indigno de viver junto àqueles que agora miravam um outro tipo de trabalhador. A oposição entre a mão de obra escrava, vista como “degradada”, e a mão de obra do branco europeu, portadora de um futuro marcado pelo progresso, justificava a extinção da escravidão e o acolhimento de milhares de imigrantes. 

Imigrantes europeus posando para fotografia no pátio central da 
Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo em 1890.



A presença do imigrante no Brasil não foi sempre isenta de conflitos e tensões. Houve, por parte de vários segmentos da população brasileira, manifestações de preconceito e restrições, especialmente por ocasião da Segunda Guerra Mundial, quando italianos, alemães e japoneses, identificados com os países inimigos, sofreram represálias, perseguições e confinamentos. Entretanto, não se pode esquecer de sua contribuição à cultura brasileira, transformando nossos hábitos alimentares, acrescentando aromas e novos produtos à nossa culinária, novos sons e ritmos, novas crenças e santos, alargando nossa experiência de vida impregnada pela herança das culturas indígena, negra e portuguesa. 


“Os árabes chegaram”- vídeo
Assista, agora, ao vídeo Os árabes chegaram, Os imigrantes libaneses e sírios que chegaram a São Paulo a partir do final do século XIX criaram uma identidade árabe nos bairros em que se fixaram. Eles se estabeleceram primeiro na região da Rua 25 de Março trabalhando no comércio e depois de 1915 criaram residências, igrejas e instituições culturais nos bairros do Paraíso e Vila Mariana. A trajetória dos imigrantes é relatada pela historiadora Juliana Khouri em pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Imigração na atualidade
Na atualidade, ou seja, no contexto do século XXI, a imigração internacional adquire novos sentidos. Dados fornecidos pela ONU nos informam que existem 175 milhões de migrantes se deslocando pelo mundo em decorrência das grandes transformações que caracterizam, a partir do início dos anos de 1970, o chamado processo de globalização, com resultados econômicos, sociais e políticos de grande impacto mundial (PATARRA, N. L. Migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo: volumes, fluxos, significados e políticas. São Paulo em perspectiva, São Paulo: SEADE, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005).

Muro que separa a cidade de Tijuana, no México, e San Diego, nos Estados Unidos, para evitar a entrada de imigrantes que buscam melhores condições de vida e de trabalho. Esse muro tem sido palco de um acirrado debate sobre as leis de imigração na sociedade americana.


As consequências do processo de reestruturação produtiva com a introdução de novas tecnologias, as novas formas de gestão do trabalho e a terceirização provocaram o fechamento de postos de trabalho e, consequentemente, o desemprego. Em todo o mundo, as altas taxas de desemprego e a redução das políticas de amparo ao trabalhador trouxeram, para muitas famílias, mudanças em seu estilo de vida, dificuldades para o retorno ou para a inserção no mercado de trabalho, ocasionando pobreza, desalento, alcoolismo, violência e ampliando as desigualdades e a exclusão.


Imigração e intolerância
Esse quadro ganha maior dramaticidade com as guerras civis, que opõem etnias e grupos religiosos. Nesses casos, as vítimas são os vizinhos, aqueles que vivem no mesmo território, mas são afastados por diferenças culturais. 

O muro de Belfast divide apenas duas ruas — Shankill (protestante) e Falls (católica) — mas carrega um enorme simbolismo no conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte.
O muro da Cisjordânia separa palestinos de israelenses, ocasionando conflitos dramáticos e incontáveis mortes de civis, a despeito dos permanentes protestos da comunidade internacional.
Imigração para o Brasil na atualidade
Por sua vez, no que se refere especificamente ao quadro das migrações internacionais no âmbito da sociedade brasileira, cabe relatar brevemente as importantes transformações verificadas na diversidade da metrópole paulista.

Outrora, São Paulo atraiu grandes levas de imigrantes japoneses, principalmente quando do declínio do mercado de trabalho cafeicultor; hoje, o estado “exporta” um enorme contingente de descendentes de japoneses, os chamados decasségui, para o Japão, e, em contrapartida, recebe outros asiáticos, principalmente coreanos. Atualmente, os coreanos são os principais recrutadores da mão de obra dos bolivianos em São Paulo. Estes, por sua vez, representam o principal contingente de imigrantes hispano-americanos – os denominados latinos – sediados no país, os quais, devido ao fortalecimento de suas redes sociais na cidade, já não constituem o segmento mais numeroso acolhido pela Casa do Migrante, como há uma década. Hoje, a Casa do Migrante recebe um maior número de africanos de diferentes etnias que lá se abrigam fugidos de catástrofes climáticas, fome, conflitos étnicos e religiosos ocorridos em seus países de origem.

Bolivianos viajam em ônibus para Santa Cruz de La Sierra, de onde sai o trem para a fronteira com Brasil.


Leia a reportagem “México aprova nova Lei de Migração para proteger imigrantes que usam opaís para chegar aos Estados Unidos” publicada pela EBC, para conhecer um pouco mais a respeito da Lei de Imigração mexicana. Essa Lei procura garantir o respeito aos direitos humanos daqueles que procuram imigrar irregularmente para os Estados Unidos.


Imigração para o Brasil na atualidade
Já nos referíamos ao fato de que atualmente o perfil do imigrante no Brasil é diferente. Não recebemos em maior número os europeus, “mas sim os asiáticos, principalmente chineses e coreanos, e latino-americanos, particularmente bolivianos”. Além desses imigrantes, agora também trazemos uma nova referência: a presença crescente de africanos. O que aproxima todos eles é a busca de trabalho e melhores condições de vida, de educação e saúde. Os dados referentes a essa imigração ainda representam um desafio. Existem estimativas que, entretanto, não conseguem registrar com precisão a entrada desses contingentes populacionais. As informações censitárias registram um decréscimo do número de imigrantes na população brasileira: de 912 mil, em 1980, para 767.781 (0,52% da população total do país) em 1991 e 651.226 (0,38%) em 2000 (PATARRA, op. cit., p. 28). 

Segundo a Pastoral do Migrante, estima-se que haja 1,8 milhão de estrangeiros no país atualmente. O Ministério da Justiça, contudo, afirma que esse número teria baixado de 1 milhão para 830 mil, e São Paulo concentraria mais da metade desse total: 440 mil (PATARRA, ibidem, p. 29). 


Movimentos migratórios na atualidade
É preciso considerar, também, a grande movimentação ocasionada pelas migrações internas, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Assim, se focarmos os fluxos migratórios hoje motivados pela busca de trabalho na cidade de São Paulo, é possível verificar que a outrora maciça concentração de nordestinos (que hoje apresentam deslocamento mais significativo para a Amazônia) vem cedendo espaço a um expressivo contingente de migrantes provenientes de Minas Gerais e das cidades médias industrializadas da região Sul do país; isso sem contar a movimentação, sobretudo sazonal, dos próprios paulistanos ou dos migrantes já há muito tempo fixados na capital em direção ao interior do Estado de São Paulo.


A região metropolitana de São Paulo foi sempre um atrativo, devido à sua potencialidade econômica, para os migrantes nacionais. Na década de 1970, o volume de migração chegou a superar 2 milhões de pessoas, o que resultou em um crescimento demográfico de 51,6%, entre 1970 e 1980 (PERILLO, S. R.; PERDIGÃO, M. de L. Percursos migratórios no estado de São Paulo. São Paulo em perspectiva, São Paulo: SEADE, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005).

Migrações no Estado de São Paulo
Segundo dados estudados por PERILLO & PERDIGÃO, 2005, o Estado de São Paulo contava, em 2000, com 37 milhões de habitantes, o que significava 21,8% da população nacional. Nesse mesmo ano, “residiam em São Paulo aproximadamente 9,1 milhões de pessoas não naturais do estado, com predominância dos mineiros (20,7%), baianos (19,7%), paranaenses (12,9%) e pernambucanos (12,4%)” (PERILLO & PERDIGÃO, op. cit., p. 100). Entretanto, o que se observa, ao longo dos anos recentes, é a diminuição da entrada de migrantes de outros estados em São Paulo. Paralelamente a isso, tem ocorrido um aumento do que as autoras denominam “fortalecimento de interiorização do desenvolvimento econômico”, desde os anos 1970, com a saída de muitas empresas para o interior do estado. Entre 1995 e 2000, 468 mil pessoas saíram da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e foram para o interior do estado. As regiões do interior que mais se beneficiaram com esses deslocamentos foram as Regiões Administrativas (RAs) de Campinas, Sorocaba, São José dos Campos e a Região Metropolitana (RM) da Baixada Santista (RMBS) (PERILLO & PERDIGÃO, ibidem, p. 105).

Números da emigração
As novas modalidades de fluxos populacionais do século XXI implicam um movimento inverso: o Brasil deixa de ser um país recebedor e passa a “exportar” pessoas. Descendentes de antigos imigrantes partem em busca de outros países, muitas vezes retornando aos lugares de seus antepassados, como no caso dos japoneses. 

No Brasil, tem aumentado o número de pessoas que emigram, particularmente para os Estados Unidos, em busca de solução para os problemas que afetam as suas vidas. São especialmente jovens urbanos, que aceitam correr os riscos de uma entrada clandestina, colocando-se nas mãos de atravessadores e submetendo-se a empregos precários e de baixa qualidade. 

Os dados referentes a essa emigração variam dependendo do procedimento utilizado para essas estimativas (PATARRA, idem, p. 26). Calcula-se que o número de brasileiros que vivem fora do país era de 1.419.440 em 1996 e atingiu a cifra de 2.041.098 de indivíduos em 2002; isto é, houve um crescimento de 43% no período assinalado. Entretanto, os dados estimados para o ano de 2003 indicam que houve uma redução de brasileiros residentes no exterior, como podemos observar na Tabela 1. 



Tabela 1 – Total de brasileiros no exterior
ANO
Total de brasileiros
Taxa de crescimento (%) Ano Base - 1996
1996
1.419.440
2000
1.887.895
33,0
2002
2.041.098
43,8
2003
1.805.436
27,2
Fonte: Tabela construída com base nos dados do Ministério das Relações E

Números da emigração
Podemos verificar que, apesar do decréscimo ocorrido de 2002 para 2003, ainda é significativo o número de brasileiros vivendo no exterior, seja como imigrantes documentados ou ilegais. 

O movimento migratório de brasileiros para o exterior dirige-se, em sua maior parte, para os Estados Unidos, como podemos observar na tabela 2. Em 1996, foram aproximadamente 580 mil brasileiros que para lá se deslocaram, 800 mil em 2000, 894 mil em 2001, e 713 mil em 2003 (PATARRA, idem, p. 27). Depois de um aumento de mais de 50% na entrada de imigrantes, entre 1996 e 2001, podemos observar uma redução em 2003. A queda significativa no número de imigrantes é o resultado de medidas tomadas pelo governo norte-americano no sentido de combater a entrada ilegal de pessoas e de impor restrições à sua contratação pelas empresas nacionais. 


Na tabela 2, apresentamos dados dos brasileiros que emigraram para países com os quais, provavelmente, mantinham laços culturais. 


Tabela 2 – Total de brasileiros em países selecionados (mil habitantes)
País
1996
2000
2001
2002
2003
Estados Unidos
580
800
894
-
713
Paraguai
350
454
262
269
325
Japão
263
224
262
-
269
Portugal
22
-
50
-
70
Itália
16
-
-
65
35
Espanha
12
-
13
-
32
Fonte: Tabela construída com base em dados citados In: Patarra, idem, p. 27.
Xenofobia
Segundo o historiador Eric Hobsbawm, uma resposta contundente tem sido a xenofobia, ou seja, a aversão ao estrangeiro (entendido como estranho), que se baseia no medo de que este ocupe o lugar dos nativos de uma sociedade, sobretudo nas relações de trabalho. Para o autor, que é um dos principais estudiosos das grandes transformações sociais experimentadas pelo mundo, a partir das revoluções burguesas a xenofobia constitui um dos fatores fundamentais de explicação da atual impossibilidade de organização da classe trabalhadora, que hoje visa apenas proteger seu próprio emprego da competição com os de fora.
Historiador Eric Hobsbawm


Clique aqui Descrição: http://efp-ava.cursos.educacao.sp.gov.br/Resource/875841,350/Assets/Sociologia/img/design/icone_link.png para ler um trecho da entrevista que Hobsbawm concedeu à revista britânica New Left Review, em sua edição de janeiro/fevereiro, e que a Folha de São Paulo traduziu e publicou em 18 de abril de 2010..


Estabelecidos e outsiders

Em nossa sociedade, podemos observar como as manifestações de xenofobia contra os outsiders se dão pela estigmatização desses sujeitos sociais, imputando-lhes atributos culturais que estabelecem sua inferioridade social frente aos estabelecidos. Clique nos itens abaixo para ver exemplos de estigmatização. 




Restrições às migrações
Esses são apenas alguns exemplos de como, em nossa diversidade social, a igualdade entre os membros da sociedade é obtida por meio da negação das características identitárias que os diferenciam, estigmatizando-se, para tanto, essas diferenças, e transformando-as em defeitos morais que destituem a humanidade de seus possuidores. É nesse sentido, portanto, que se torna fundamental construir um olhar sociológico capaz de questionar a aparência igualitária de nossa diversidade, de modo a revelar as reais possibilidades de superação dessa representação.


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