Começo
de conversa
Convidamos você a refletir sobre um tema de grande
importância no mundo contemporâneo: o dos movimentos sociais. Retomaremos, para
tanto, a discussão que permeia toda a constituição de nosso curso, qual seja a
da relação entre indivíduo e sociedade, agora enfocada sob a perspectiva da
relação entre igualdade e desigualdade de direitos ou, mais especificamente, do
direito a ter direitos, que, em última instância, remete à questão da participação
dos indivíduos na vida social e às reais possibilidades de conquista de uma
cidadania plenamente democrática.
Nesse sentido, propomos um dos modos possíveis de compreensão da
realidade política e social que vem se constituindo nas sociedades modernas desde
os anos 1970, enfatizando a discussão das noções de movimentos sociais,
sociedade civil, participação, cidadania e analisando a crescente influência
das ONGs.
Privação de
direitos e lutas coletivas
A despeito dos avanços materiais, técnicos e tecnológicos, e das conquistas
políticas, culturais e sociais, no sentido da constituição de uma sociedade
mais justa e igualitária, é inegável a constatação de que as desigualdades de
gênero, étnicas e de classes sociais ainda comprometem o pleno desenvolvimento
das sociedades contemporâneas, no que se refere ao acesso ao trabalho (e aos
direitos relativos ao seu recrutamento e remuneração), ao consumo de bens
materiais e culturais, à saúde, à educação, à moradia, à participação política,
à prática religiosa, à preservação das especificidades culturais etc. Por outro
lado, a todo momento e em diferentes países e tipos de sociedade, presencia-se
a violação de direitos duramente conquistados e mesmo já vigentes sob a forma
de leis.
Ocupação do INSS em 7 de dezembro de 2009.
União dos movimentos de moradia de São Paulo.
União dos movimentos de moradia de São Paulo.
Esse quadro nos permite considerar que a grande questão que hoje se impõe às sociedades diz respeito à privação e/ou à garantia dos direitos mencionados ou, em outras palavras, à discussão de por que as lutas coletivas (internas e, eventualmente, com o apoio da comunidade internacional), por sua conquista universal, não têm conseguido alcançar a universalização desses direitos para o conjunto da sociedade.
Minorias
sociais e cidadania
Em resumo, pode-se dizer que, também nas sociedades ditas democráticas –
portadoras de uma Constituição própria, além de seguidoras dos princípios da
Declaração Universal dos Direitos do Homem promulgada em 1948 pela Organização
das Nações Unidas (ONU) –, indivíduos pertencentes às minorias sociais
(definidas segundo as desigualdades mencionadas anteriormente) não são
considerados cidadãos plenos, uma vez que nem todos os seus direitos foram
conquistados ou estão devidamente garantidos nas diferentes esferas da vida
social. Nesse sentido, a própria existência e permanência dessas minorias
sociais já expõem a vulnerabilidade do pressuposto da universalidade da
cidadania nas sociedades modernas, na medida em que este passa a ser, de certa
forma, quantificado e qualificado, ao se compreender que os indivíduos de
determinados grupos sociais são "menos" cidadãos que outros ou mesmo
não cidadãos.
Participação
e cidadania
Não é possível enunciar um conceito definitivo e acabado de cidadania,
pois ele depende dos avanços e retrocessos das lutas dos indivíduos por sua
participação na vida social. Atualmente, há um consenso no sentido de entender
que a cidadania plena consiste em ter direitos civis, políticos e sociais. A
cidadania moderna está referenciada ao tempo e espaço de sua realização, e se
constitui processualmente, definindo-se e redefinindo-se por meio das próprias
lutas para construí-la e efetivá-la, e, consequentemente, das transformações
por que passam as noções de participação e de direitos. Pode-se entender –
conforme o aponta Jaime Pinsky – que os direitos civis subentendem "o
direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei"; É
a participação dos indivíduos "no destino da sociedade", por meio do
voto livre e soberano em seus representantes, como também à participação na
"riqueza coletiva", por meio da garantia do acesso ao trabalho, à
saúde, à educação, que os membros de uma sociedade conquistam seus direitos,
respectivamente, políticos e sociais. (PINSKY, J.; PINSKY, C. B., 2008, p.
9-13.)
Formação para
a cidadania
Cabe lembrar, ainda, que, para a socióloga e educadora brasileira Maria
Victoria Benevides, “cidadania, hoje, se resume a uma palavra, que é a
participação [...]”. Mas, para que essa participação seja realmente autônoma,
livre e democrática, ela entende que é preciso haver uma “formação para a
cidadania”, de modo a impedir o desinteresse pela mobilização por direitos e o
“desencanto com a própria ideia de democracia”. Tal formação se daria tanto no
“campo formal” — por meio do sistema regular de ensino em todos os seus níveis,
começando pela formação dos próprios professores, independentemente da área de
conhecimento — como no “campo informal”, por meio dos movimentos sociais, ONGs,
associações e, inclusive, programas de formação dos partidos políticos.
A viabilidade da formação para a
cidadania dependeria do acesso aos meios de comunicação de massa, na medida em
que estes constituiriam um canal à participação direta dos movimentos de
minorias sociais (mulheres, negros, indígenas e outros) para a reivindicação de
direitos econômicos, culturais, políticos e sociais. Benevides fala, portanto,
da “formação de uma cidadania democrática” baseada nos princípios de igualdade
de direitos, liberdade de reivindicação e luta por esses direitos, entendendo
que somente essa formação é capaz de constituir uma “cidadania ativa”
conquistada quando os indivíduos assumem sua “responsabilidade em relação à
participação nas esferas de poder”, seja por meio dos processos decisórios ou
se organizando em movimentos sociais.
Movimentos
sociais
Segundo os autores do livro Sociologia: sua bússola para um
novo mundo (BRYM, R. et. al., 2009, p. 508-509), os movimentos
sociais surgem quando os protestos deixam as ruas e se institucionalizam,
ganhando uma base organizacional relativamente estável graças ao recrutamento
de afiliados e à capacidade de mobilizar recursos que incluem os meios de
comunicação (veja, mais adiante, a diferenciação estabelecida por Alain
Touraine no que concerne a essa base organizacional, aos movimentos sociais e
às reivindicações organizacionais).
Os autores também apontam que, diferentemente da perspectiva
norte-americana, focada na discussão sobre como os movimentos sociais surgem e
se constituem, a corrente que se forma na Europa, com base no pensamento
marxista, vai buscar entender as razões que determinam o surgimento dos
conflitos de alguns setores da sociedade contra os interesses do capital e das
classes dominantes que os representam. Essa perspectiva europeia passará a ser
chamada de "teoria dos novos movimentos sociais" (Idem, 2009,
p. 512) e, a partir do final dos anos 1970, passará a ter forte influência no
pensamento brasileiro, por meio de autores como Manuel Castells, Jean Lojkine e
o já citado Alain Touraine.
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